O guardião do Santuário.
12.07.2017
Reportagem original publicada na Revista Diocese Informa -Nº72 | Ano 7 | Julho 2017
Fotografia e texto: Jean Patrick
“Eu praticamente nasci aqui”. Assim começa a conversa com Carlos José Pereira Lima, o popular Kiko. O diretor de patrimônio histórico do Santuário Nossa Senhora da Graça em São Francisco do Sul/SC, paróquia mais antiga de Santa Catarina, realmente parece ter nascido no local. Isso porque conhece cada canto como a palma de sua mão e conta histórias com um amor explícito.
É fácil achar Kiko. Ele certamente passará pela paróquia em algum momento do dia, ou por perto dela e para falar com ele é só estar por ali. E foi assim desde criança, quando ainda acompanhava sua mãe nas idas à igreja. “Ela sempre me trazia e eu me sentia muito bem por aqui”, conta. Ali também nascia um carinho pelo local que se carrega até hoje. Solicitado por escolas para falar sobre a história da paróquia, Kiko é parte fundamental de conservação da bela igreja. Em uma das trocas de párocos, quando ele ainda era criança, tiveram a ideia de trocar o altar, a mesa de comunhão e outras partes antigas da construção. Kiko sentiu uma espécie de apego muito grande com as coisas que estavam jogando fora e resolver por conta própria guarda-las. “Foram quebrados os altares para modernização e eu carreguei tudo sozinho para um local que eu saberia que ninguém mexeria”, conta. Dito e feito. As peças antiguíssimas feitos com madeira nobre ficaram guardadas por um longo tempo até que houvesse um lamento pelas peças não estarem mais na igreja. Foi aí que Kiko disse: “Eu sei onde estão”. Algumas peças foram recuperadas e assim a paróquia pode conservar ainda mais sua história. O episódio mostrou o que viria a ser a vida de Carlos. O próprio apelido veio de dentro da igreja e nomeado por padres. Após vê-lo sempre pela igreja os padres o apelidaram de Kiko. “Se alguém falar Carlos as pessoas não conhecem, mas fale Kiko que todos irão saber”, conta sorrindo.
Hoje e aos 58 anos, pai de três filhos, avô de dois netos e esposo de Helena Jankasky Lima, o aposentado Kiko faz o trabalho que ama no santuário histórico. Ele sabe de cor acontecimentos históricos sobre a construção e por isso é um dos responsáveis pelo Museu Diocesano de Arte Sacra. O museu, aberto em 2013, traz mais de 800 peças e entre elas diversas que Kiko foi guardando ao longo do tempo. Em um baú ele foi colocando preciosidades que iriam para o lixo ou que seriam inadequadamente doadas. “Sempre há um costume de doação visando o bem, mas essas peças valem mais do que dinheiro, são artefatos de cunho histórico”, enfatiza. Lá as peças ficaram guardadas por mais de quarenta anos até a abertura do museu que leva o nome de Padre Antônio Nóbrega, pároco do santuário por muito tempo e com parentesco com Kiko. Além de ser o diretor de patrimônio, Carlos também cuida das festas tradicionais do santuário, auxilia na acolhida aos turistas que se interessam pela história da igreja e o mais importante para ele, é o responsável pelo manuseio da imagem de Nossa Senhora da Graça. A escultura da padroeira tem 538 anos e veio para a cidade com os espanhóis. “É uma imagem linda e que eu tenho a honra de cuidar”, diz. A imagem fica no alto do altar e tem em sua volta vidros para protegê-la de roubos e do tempo. Até um sistema de alarme foi colocado, pois em tantos anos foram inúmeras as tentativas de roubo da imagem que tem ouro na composição. “Antes de mim quem cuidava da imagem era o Sebastião de Oliveira e quando ele ficou doente me deu essa missão”, conta Kiko.
Anualmente é feita a procissão marítima da imagem. Ela vai até Joinville e volta com o Barco Príncipe III para o centro histórico de São Francisco do Sul. Há doze anos um caso deixou todos apreensivos. Quando o carro do corpo de bombeiros passava pela Rua São Paulo em Joinville, a redoma que protegia a imagem se chocou com os cabos de energia e se estilhaçou. Antes de cair no chão, uma bombeira se jogou e conseguiu evitar a queda. “Naquele momento o padre pediu que eu olhasse a imagem para saber se havia quebrado algo e eu não consegui, coloquei as mãos na cabeça com medo de ver algo pior”, conta. Mas por sorte apenas alguns quebradinhos nos dedos da imagem e evento ocorreu como combinado. Após o episódio, Kiko conta que decidiram por fazer uma réplica da imagem e assim a utilizam mais vezes durante o ano.
O amor pela igreja tornou Kiko parte dela e em cada canto do santuário cheio de histórias é possível entender o porquê de tanto carinho. Uma cidade que cresceu em volta da construção antiga e que tem nela uma parte também de si. É fácil se apaixonar.
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